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06/09 - Beijing - Abertura dos Jogos

Acordei as oito e meia hoje. Que bom, o treino não foi muito cedo e tive mais duas horas de cama. Peguei o pouco do material de natação que ainda levo e fui direto a academia me pesar, tudo no quilo certo, não é pra menos, estou me segurando bem nas refeições, comendo com qualidade, pouco, mas mais vezes ao dia. Acho que nunca me policiei e comi tão bem assim.

Da balança passei para o refeitório que fica perto, tomei um iogurte e fiz um sanduíche para ir comendo no caminho, fiquei com medo de perder o ônibus que nos leva até a piscina.

Hoje o treino não foi no Cubo, foi na piscina do pólo aquático. Fiz um aquecimento longo, treinei algumas viradas e saídas e no fim acabei com uma série de ritmo de crawn e borboleta. Voltamos dessa piscina pela última vez, agora só mergulhamos nas águas do Cubo. Amanhã será o primeiro dia de competição da natação, as expectativas são cada vez maiores.

Logo que chegamos na vila, tivemos uma reunião com nosso coordenador da natação, ele nos passou informações sobre o start list que mostra os competidores que estarão na competição assim como os respectivos tempos. Assim, já dá pra ter uma prévia de como será seus adversários. Vi os de minhas provas e notei que não está fácil. Vou ter que me superar bastante para ficar entre os oito e ir pra final, tanto nos 100m livre como nos 400m livre. Agora é levantar a cabeça, focar e esperar a hora de fazer muita força.

Gustavo, o coordenador, entregou as credenciais da abertura, que será as oito da noite aqui e nove horas da manhã ai no Brasil, e falou dos horários do transporte que nos levará até o Ninho do Pássaro, o famoso e bem arquitetado estádio olímpico. Almocei uma boa salada com um bife de carne e aproveitei para quebrar um pouco a rotina. Tomei uma coca cola, afinal, ninguém é de ferro e hoje é sábado. Fiz uma massagem na fisioterapia e vim correndo para internet para escrever meu dia até aqui, agora ,tenho que ir me arrumar pois o ônibus que vai nos levar a abertura sai as cinco horas. Como a abertura é um evento longo só volto a escrever amanhã contando com detalhes como foi a abertura. Tenho certeza que será maravilhosa, vai ser muito bom entrar no estádio olímpico novamente e sentir a emoção e a recompensa de ter treinado quatro anos esperando por esse momento, me arrepio todo só de imaginar, um sonho.

05/09 - Beijing



Hoje o dia começou cedo. Acordei as seis da manhã, tomei as vitaminas e fui para o refeitório. Peguei um iogurte na geladeira, um pão com queijo e presunto, comi em dez minutos e segui direto para o ônibus que nos leva ao treino. Fiz uns alongamentos e abdominais antes de cair na piscina. Não fiz série nenhuma, só fiquei nadando dando ênfase a técnica e alguns educativos.
Estava esperando o momento de rever minha mãe, ela, meu irmão e minha tia chegaram no dia 3, e marcamos de nos encontrar fora do cubo, na rua, após o treino. Me encaminhei até o portão e foi muito bom revê-los.

Conversamos um pouco, tiramos fotos, matamos as saudades e entreguei a eles o convite da abertura da paraolimpíada, que será amanhã, junto com os ingressos do dia em que vou nadar.
O melhor de tudo isso foi um envelope que minha mãe me entregou com uma foto 3x4 de Iara, minha filha, depois que perdi meu celular aqui, fiquei sem nenhuma foto dela para matar saudades. Chegou na hora certa. Voltamos a vila e coloquei a foto na cabeceira da cama.
Depois disso, a delegação brasileira, se encaminhou para a Praça das Bandeiras, onde aconteceu a cerimônia de recepção da equipe brasileira aqui na vila. Teve o hasteamento da nossa bandeira junto com o Hino Nacional. Me arrepiei ao ouvi-lo. O prefeito da vila, que é uma mini-cidade, deu as boas vindas a todos e ficamos reunidos tirando fotos e batendo papo.

Estavam presente o presidente do Comitê Paraolímpico, do Comitê Olímpico e vários meios de comunicação do Brasil. Continuei na zona internacional esperando dar onze e meia, para almoçar cedo.

Hoje o treino da tarde foi marcado para as duas horas, e precisava de tempo para a digestão. Fiquei pela internet, pesquisando sobre meu próximo desfio que prefiro não revelar ainda. Almocei, fui pro quarto repousar um pouco.

Saímos para o treino no Cubo, na piscina principal onde realizei um bom treino, com série de velocidade no começo, acabando com uma série de ritmo. Clodoaldo continuou no Cubo para sua última reclassificação aqui em Pequim, devido ao protesto que ocorreu ontem, após ser considerado S5 pela banca que o examinou.

Hoje com uma nova banca para lhe avaliar, foi mantido na classe S5, o que acabou por deixar, eu e os amigos de seleção triste, pois Clodo é um ser humano de tirar o chapéu, um amigo que admiro mais a cada dia. Agora acabou de vez a chance de eu participar do revezamento 4x100m livre na formação oficial, a que nada a final. Devo entrar só na eliminatória, para substituir um dos componentes se isso ocorrer, e se o revezamento for medalhista, ganho a medalha também. No reveza 4x100m medley, continuo na formação oficial.

Voltamos pra vila e fiquei no quarto até a hora do jantar. Estou procurando circular menos, concentrar, focar e descansar mais, está cada dia mais perto, agora só faltam quatro dias. Jantei e vim pra internet, escrever, entreter e ler notícias daí. Hoje quero dormir as dez, então até amanhã. Dia em que a chama se acende.

04/09 - Beijing

Que dia bom!!!! Acordei as nove e meia da manhã, o treino foi as onze horas. Da cama fui direto a balança, que fica na academia da vila, que bela surpresa, estava no peso desejado.

Passei no refeitório, tomei meu café e fomos ao treino. Estava bem solto hoje, cada dia que passa o corpo se torna mais apto. Fiz uma série de ritmo e no final do treino uma pequena série com o extensor, que nada mais é que uma borracha de soro mais grossa que amarramos no bloco e começamos puxar nadando. A pressão faz com que o nadador faça cada vez mais força para tencionar a borracha. Quanto mais longe, mais difícil fica. Como estou perto da competição, o trabalho se faz ao contrário. Meu treinador fica segurando uma das pontas, enquanto a outra fica amarrada na cintura. Vou me distanciando cada vez mais da borda, puxando pela raia, até que o elástico esteja bem estendido. Quando isso acontece, volto nadando rápido com o treinador puxando e com a tenção que a borracha exerce, como se fosse um badogue ( estilingue ).

Hoje pela manhã Clodoaldo foi fazer sua reclassificação, o resultado não foi o que queríamos ouvir. Subiram ele novamente, pra categoria S5, porém o Brasil entrou com protesto, que foi aceito, e amanhã ele passará por novas avaliações que dirá definitivamente a classe em que ele irá competir.

Voltamos à vila e fui almoçar direto. Encontrei lá, Joaquim Cruz, que é coordenador técnico da seleção americana de atletismo, aproveitei para tirar uma foto com ele, muito simpático, diga-se de passagem. Fiz uma massagem na fisioterapia, estava com a nuca um pouco tensionada por causa do travesseiro alto, sai novo em folha. De lá, fui fazer outra parte fundamental da preparação, o descanso. Fiquei jogando um pouco de vídeo game portátil na cama, cochilando logo em seguida. Despertei as seis, e mesmo não precisando ir para o segundo treino, fui para poder ver o Cubo D’água a noite, com suas luzes que não param de mudar. Muito lindo. Nem nadei, fiquei só admirando.

Voltamos a vila, jantei e vim para a internet, escrever esse dia. A abertura será daqui a três dias, estou um pouco ansioso e agora tenho que me concentrar e descansar. Vou dormir enquanto ai no Brasil está no fim da manhã. Até breve.

03/09 - Beijing

Primeiro dia na China que vejo o céu nublado. Desde que cheguei venho acompanhando o azul do céu, vendo as olimpíadas pela TV pude reparar uma cor acinzentada de poluição, as próprias manchetes condenavam o céu poluído de Pequim. Mas acho que no período das paraolimpíadas, isso será diferente, quem sabe as precauções que eles tomaram para combater a poluição esteja fazendo efeito agora.

Acordei cedo hoje, o treino foi as sete da manhã no Cubo D’água, levantei com disposição. Corri para tomar o café a tempo e fui a mais um dia. Levei a roupa que vou nadar minhas provas, o famoso fastskin, para fazer um teste. Não é bom testar no dia da prova. O treino foi rápido, com uma série de velocidade e alguns educativos que auxiliam na técnica de nado. Voltamos pra vila e fui descansar.

Hoje, foi dia de lavar roupa, quando chegamos na vila ganhamos dois sacos grandes, parecendo rede de pescador, onde colocamos roupas claras em um, e escuras em outra, entregamos na lavanderia, e doze horas depois você pode ir buscar. Não vem passada, mas também, não amassada, a lavagem é meia boca, sem tirar manchas profundas mas o que importa, é que a roupa fica cheirosa.

No almoço, vi bastante calouros do Brasil se alimentando mal, comendo besteira. Quando fui pra Atenas tomamos uma palestra antes de chegar na vila, alertando os deslizes alimentares, muitos atletas novos se perdem na alimentação pois no refeitório tem de tudo, melhor que fastfood de shopping, com enormes geladeiras com todos os tipos de bebida ( menos alcoólica ), freezer com vários sorvetes e picolés, comida do mundo todo e por ai vai. Tem até Mc Donalds, tudo free. Além do refeitório existem máquinas espalhadas por toda vila, com bebidas diversas. Dessa vez, faltou essa bendita palestra, que ta fazendo falta. A tarde, iria receber folga de Murilo, meu treinador, mas acabei sendo convocado para ir a piscina para treinar as transições do revezamento.

Antes de começar fiz um bom alongamento e alguns abdominais, ocorreu tudo bem, as transições foram filmadas para uma posterior avaliação.

Voltamos a vila paraolímpica, fiz uma massagem na fisioterapia e fui visitar um stand da Otto bock, que é uma fabrica alemã que fabrica órteses e próteses, uma das melhores do mundo. Fantástico, a tecnologia está trazendo cada vez mais autonomia e liberdade para as pessoas com deficiência.

Fui jantar e estou aqui, escrevendo mais um dia. Vou parar por aqui pois temos toque de recolher que é as dez e meia da noite, todos no quarto. Ordens, obedece quem tem juízo e bom senso. Até amanhã.

02/08 - Beijing

Hoje faltam exatamente uma semana para eu cair na água para os 100m livre na minha categoria S10. Nas paraolimpíadas, na natação, competem atletas com dois tipos de deficiência, uma, físico-motor, que é dividida em dez classes, de S1 a S10, sendo S1 atletas que possuem um nível maior de deficiência e S10 um menor grau, que é o meu caso e a outra por deficientes visuais que estão divididos em três classes, de S11 a S13 classificados de acordo com o grau de visão.

Para você obter sua classificação se faz necessário passar por uma banca avaliadora formada por três especialistas que o avaliam fora e dentro da piscina, lhe encaixando em uma categoria que seja de acordo com o seu nível de deficiência.

Fomos treinar as sete e meia, no cubo, na piscina de soltura, que é muito boa. Fiz um treino tranqüilo hoje, sem séries fortes mas com ênfase na técnica de nado. Sai da piscina e tomei uma massagem lá mesmo.

O Cubo tem uma estrutura fantástica, com macas ao redor, pontos de hidratação a toda volta, banheiros bem instalados elevadores diversos, tudo muito bem adaptado para receber pessoas com deficiência.

Voltamos à vila e fui direto a zona internacional, tentar comprar os ingressos, para minha mãe, tia e irmão que estão chegando amanhã para torcer por mim e passar aquela força. Ela sempre está nos momentos mais importantes de minha vida.
Nossa como foi complicado comprar esses ingressos, desde o Brasil tentando, e nada, parecia até impossível adquiri-los. Quando cheguei no local que vendia disseram que era limitado o número de ingresso por pessoa, seis apenas, mas dei aquele jeitinho brasileiro e comprei todos para os dia que vou nadar.

Apesar da enorme fila e o sol quente na cabeça, estou mais tranqüilo, mamãe estará lá. Almocei novamente naquela tentação que é o refeitório, o de sempre e fui para o quarto descansar.
O treino da tarde foi as três horas, na piscina principal do Cubo D’agua, Ao chegarmos lá, a organização do evento estava fazendo o ensaio da premiação, me arrepiei ouvindo a música da cerimônia. Porque não eu? Farei o meu melhor, isso tenho certeza, se vier medalha será conseqüência, se não, a vida continua.

Fiz bastante alongamento, um pouco de abdominais e cai na água, fazendo um bom aquecimento e em seguida uma série de velocidade, fiz a soltura, que é importante para retirar todo acido lático do corpo e sai bem da piscina, tinha muita imprensa do Brasil. Clodoaldo ainda sem resolver seu futuro, conseguiu adiar sua reclassificação para quinta feira, sem saber ainda se vai fazê-la, mas achei ele um pouco mais interessado e animado, indo treinar pela manhã e a tarde, estou começando a achar que ele vai fazer, que assim seja.
Fiquei reparando um chinês treinando e que não tinha os dois braços. Impressionante como suas pernas se moviam rápido, pareciam um motor de popa, fazendo muita espuma por onde passava.
Em Atenas no refeitório, quando estava almoçando, um chinês sem os dois braços, sentou em minha frente, na mesa, pegou o garfo com um pé, a faca no outro e começou a comer sem problema algum, com movimentos finos, levando o o garfo a boca e cortando os alimentos sem nenhuma dificuldade. O ser humano é muito passível de adaptação, basta querer. Quem manda mesmo na gente é a cabeça, o resto, obedece.
Voltamos a vila, levei minhas roupas para lavanderia e fui jantar. Estou agora escrevendo esse dia, aqui na área de jogos, vídeo games e internet e vou acabar meu dia, lá no quarto, ouvindo uma música e lendo meu livro: “ A arte da Felicidade “ sobre Dalai Lama, ser feliz é preciso ! Até amanhã.

01/09 - Beijing

Entramos em um novo mês, setembro. Faltam cinco dias para a abertura das paraolimpíadas e oito para meu primeiro dia de competição, dia 9. Nadarei os 100 metros livre nessa data. Quero muito pegar a final nessa prova, que não é a minha principal, mas que tenho evoluído muito nos últimos anos.

O treino foi bem cedo, saímos as seis e meia da manhã da vila, acordei atrasado, dormi mais do que devia. Não deu tempo nem de tomar o café da manhã sentado. Passei no refeitório, peguei um iogurte, fiz um sanduíche e parti para o treino. Meu técnico Murilo Barreto que também é técnico da seleção, estava lá na borda, mais um dia, como sempre em sua dedicação diária e árdua em tentar me tornar o mais apto possível para a conquista de uma melhor performance.

Treino com ele faz dez anos, desde a época em que sofri meu acidente. Ele é mais que um técnico, já é uma pessoa da família, um irmão mais velho. O treino não foi no cubo, foi na piscina que aconteceu o pólo aquático nas olimpíadas. Fiz uma série forte de borboleta, que tenho treinado muito visando o revezamento 4 x 100 metros medley, entre outras coisas, como tiros de perna.

Voltamos à vila onde fui me divertir um pouco no salão de jogos e de vídeo games, quanta variedade, parecia uma criança. Em seguida tivemos uma reunião entre a comissão técnica de natação e os atletas anunciando uma bomba: Clodoaldo estava com a intenção de se desligar da seleção brasileira, pois ele está se recusando a passar por uma nova reclassificação.

Em 2006, no mundial de Durban, onde fomos medalha de bronze com ele no revezamento 4 x 100m livre, solicitaram-no, no meio da competição, de surpresa, em uma atitude duvidosa, para reclassificarem, após sete anos competindo na categoria S 4. Resultado: ele subiu para S 5. Clodo entrou com recurso e seus advogados conseguiram através da justiça, reverter esse resultado, voltando novamente a sua antiga classe S4.

Em junho desse ano solicitaram nova reclassificação dele, e agora em Pequim, mas precisamente amanhã, ele se recusa a se apresentar para esse procedimento. A decisão dele ainda não está confirmada, mas sinto que é certa. Isso acontecendo, perco a chance de participar do revezamento 4 x 100m livre na formação oficial, podendo nadar somente na eliminatória como reserva, ganhando medalha também, caso esse revezamento fique entre os três na final.

No reveza 4 x 100m medley continuo na formação oficial. Almocei um cardápio bem variado, com cozinhas do mundo todo para escolher, faço sempre um belo prato de salada e depois opto pela cozinha internacional. Procuro não mudar do normal que como por aí. Só não encontrei uma baiana fazendo acarajé ainda, que pena.

A tarde fui treinar no cubo, na piscina de soltura, a imprensa do Brasil estava toda lá, querendo saber de Clodoaldo, que ficou na vila, fiz uma série de fundo e voltamos, onde fui tirar um cochilo até a hora do jantar. Depois disso fui até a zona internacional, que é uma área onde existe vários serviços, como lojas que vendem, flores, artigos de supermercado, suveners da olimpíadas, artesanatos culturais, além de museu das paraolimpiadas, salão de cortar cabelo entre muitas outras coisas. Dei uma olhada pela primeira vez desde que cheguei e fui me reunir na praça das bandeiras, que tem um teatro de arena com o restante da delegação, que agora está completa, pois somente a natação e atletismo foram a Macau fazer aclimatação, os outros esportes chegaram na vila entre ontem e hoje. Lá ocorreu a cerimônia de boas vindas da chefia de missão brasileira que nos solicitou união e falou da importância em que temos em representar o Brasil.

Por aqui eu fico, pois já ta na hora de dormir.

31/08 - Beijing

Acordei meio atordoado, com sono ainda, eram sete e meia da manhã. Tínhamos treino marcado para as oito e meia no Cubo D”água. A vontade de conhecer essa piscina me fez ter mais disposição. Fui caminhando em direção ao refeitório, que é gigantesco e com muita variedade. Pasmo com a beleza e a tranqüilidade que a vila passa. Tomamos café pegamos o ônibus que nos levou direto ao cubo. A piscina fica bem perto da vila. Noooooossssssssssssaaaaaa, que arquitetura!!!!!

Fiquei de queixo caído quando vi aquela estrutura na minha frente, com o estádio olímpico ninho de pássaro ao fundo, praticamente ao lado. Por dentro é fantástico, um pouco menor do que parece ser, vendo pela televisão. Mas mais belo ao vivo.

Caímos na água, é claro que cai na raia quatro, a que Phelps estraçalhou seus recordes e fez história. Queria sentir a energia daquela raia e quem sabe pegar a magia e o encanto que ali possui. Fiz um treino mais light mas dando o melhor que podia, não parava de olhar para o teto do cubo. Já podia imaginar aquele ginásio lotado, sempre me visualizando na prova.

Voltamos pra vila, almoçamos e fui pro quarto descansar um pouquinho. Não deu nem pra cochilar pois as duas e meia já levantamos novamente para ir para a dobra. A piscina em que fizemos o segundo treino foi outra, pois existe um revezamento, de horários e locais , entre os países. O lugar também era muito bem estruturado, onde aconteceu o pólo aquático nas olimpíadas. Fiz uma série de velocidade e outra de fundo. Na saída, tomamos um lanche num pequeno buffet ali mesmo e voltamos pra vila. Peguei minhas roupas sujas e levei para a lavanderia. Aqui o conforto é total. Propicia o atleta a só pensar na competição, dando conforto e diversão.

Fui ao jantar, imaginando o domingo ai em Salvador, no seu entardecer com o sol se pondo na Ilha de Itaparica, ai que saudades. Fiz uma massagem na fisioterapia, e vim para o local da internet que tem também um enorme salão de jogos e vídeo games.

Estou escrevendo vendo o mundo todo passar em minha frente. Fico por aqui pois hoje preciso descansar, descontar a noite mal dormida de hoje. Até amanhã.

30/08 - Chegada em Beijing

Hoje o dia foi tranqüilo, sem treino, com viajem programada para a tarde e sem preocupação em acordar cedo. Sair um pouco da rotina diária faz bem para o corpo e cabeça. A rotina faz parte da vida de um atleta, pois é nela que se consegue a evolução na performance, a repetição, todo santo dia contando azulejo, indo e voltando, levantando peso, dormindo cedo, seis dias por semana indo pra piscina, pela manhã e a tarde. Mas tudo isso tem uma recompensa, superar os seus próprios limites, sempre pensando naquele dia, naqueles poucos segundos que lhe trarão uma sensação de êxtase, adrenalina.

É por isso que continuo na luta diária, é claro, com muito prazer e feliz, pois o dia que acabar essa vontade e a certeza de que não vou me superar, eu paro. Pela manhã arrumei a mala fui para a piscina do hotel, que é gigantesca e sinuosa, e brinquei de dar umas braçadas. Fui direto ao almoço e depois fiquei esperando a hora de viajar. Saímos do hotel às 16h e fomos ao aeroporto de Macau, o vôo decolou as 19h, a seleção saiu cedo pois uma delegação grande requer suas precauções.

O fim de um período e o começo de outro. Chegamos em Beijing, as 23h e saindo do avião fomos recepcionados pelos voluntários que nos encaminharam para a validação de nossa credencial que já havíamos recebidos. Pegamos as malas e nos direcionaram para o ônibus da organização dos jogos, direto pra vila, a Disneylândia dos atletas.

A chegada na vila foi emocionante. Tudo silencioso, pois já eram 1h da manhã. Fomos direto aos prédios que são bem mais altos que os de Atenas, com seis andares, e me instalei no andar térreo dividindo o quarto com meu colega Mauro, num apartamento onde tem mais dois quartos com duas camas cada um.

Fomos ao refeitório, comemos todos juntos ressaltando a beleza da vila, que tem um paisagismo de tirar o chapéu, com lagos, praças e muitas coisas interessantes e novas que ainda serão desvendadas. Cansados da viajem fomos todos pra cama, já era 2h da manhã.

29/08 - Macau, China

Hoje acordei as 7:30, olhei para o lado e meu amigo Mauro Brasil que já estava arrumando sua mochila para o treino. Todos atletas dividem quarto com outro e Mauro já é meu companheiro desde as últimas paraolímpiadas. O dia estava bonito, com céu azul e o geladinho do quarto com ar condicionado contrastando com o calor que se encontrava do lado de fora. Descemos e tomamos café da manha, que se repete todos os dias com os mesmos ingredientes: dois pães de forma feito na torradeira com manteiga, três bolachas cream cracker, que por sinal não é tão crocante como as daí, com geléia de morango e um copo de suco de laranja.

Entramos no ônibus e fomos ao Centro Olímpico de Macau treinar. O treino foi bom, com uma série de ritmo e outra de resistência. Cada dia que passa me sinto mais leve. Juntamos todos da selecão de natacão ao término do treino e tiramos umas fotos em conjunto, que nem foto de time de futebol, momento bom, de integracão e descontracão entre os amigos, pois cada dia mais, os atletas ficam pilhados.

Voltamos para o hotel, almocamos e fui direto com Andre Brasil, outro amigo, que com certeza trará muitas medalhas ao Brasil, e companheiro de revezamento, trocar dólar pelo dinheiro local, chamado pataca. Um dólar aqui equivale a oito patacas.

Às 13h30 pegamos um ônibus e fomos a uma rua no centro fazer compras. Os eletrônicos aqui são muito baratos e não poderia perder essa oportunidade, Comprei uma máquina fotográfica a prova d’agua, por um preço de banana.

Agora poderei tirar fotos de minha filha dentro do mar, pois ela adora água que nem o pai. Sinto muito a falta dela. Todo dia olho para sua foto e me sinto mais forte e com mais vontade de fazê-la sentir orgulho de mim. Mas ela é muito pequena para entender tudo que se passa, mais sei que o bicho homem é muito inteligente e sensível e Iara acaba assimilando essa energia boa.

Minha esposa, que amo tanto também me disse que quando coloca o DVD do último mundial na África do Sul e eu apareço, ela vai e dá um beijo na TV. Mas vamos deixar de babação e corujice. Voltei ao hotel às 16h, pois as 16h30 saimos para fazer a dobra, segunda parte do treino. Último dia de treino em Macau e foi um treino de testes. Fiz uma série de velocidade testando a roupa que irei nadar em Beijing, um Fast Skin, que é um traje que vai das canelas ao ombro, lhe deixando mais veloz e com pouco atrito na água.

Foi excelente. Eu fiz muito rápido os tiros, fazendo tempos que nunca tinha feito em treinos, aumentando muito minha alto estima. Que bom fechar a preparacão de Macau assim. Voltamos ao hotel, onde fomos direto a uma reunião da comissão técnica que informou tudo sobre a viagem que faremos amanhã, onde chegaremos pela noite em Beijing, indo direto para a Vila Paraolímpica, que é o mesmo lugar onde os atletas olímpicos ficaram.

Logo após essa reunião, a comissão de piscologia assumiu a frente, fazendo uma dinâmica de grupo onde elaboramos artesanalmente com panos verde, azul e amarelo duas bandeiras do Brasil com a assinatura de todos os atletas da natacão, assim como os técnicos. Uma era para escrever um incentivo ao grupo e assinar, e a outra poderia escrever o que tivesse vontade. Escrevi o seguinte: "Viva Dalai - Paz a todo mundo e liberdade para todos".

Como despedida do hotel e para compensar algumas estranhesas gastronômicas, ganhamos no jantar, um churrasco na beira da piscina, com música brasileira e com muita coca-cola. Hummm, que beleza. Estou terminando mais um dia, na ansiedade de saber que amanhã, entraremos na Vila e se iniciará uma outra fase. Que venha Beijing. Até amanhã.

O sonho olímpico

Tudo começou no dia 21 quando eu, Marcelo Collet, embarquei no aeroporto de São Paulo para China, primeiro destino Macau. Na bagagem, quatro anos de preparação visando única e exclusivamente essa competição, que é o ápice para qualquer nadador para-esportivo: as Paraolimpíadas de Pequim. Treinos e mais treinos, abdicações, dedicação para serem executados em apenas alguns segundos. O melhor que você pode dar, chegar ao limite mental e físico, para que consequentemente, se tudo der certo, você sair com a certeza de dever comprido, e saber que deu o melhor de si. E não necessariamente com a medalha no peito, mas com a certeza de ter representado bem o meu país, assim como, meu estado.

Primeira parada, Canadá, onde fizemos conexão, depois de doze horas de vôo. Até ai eu estava acostumado, pois através do Faz Atleta e a Dismel venho realizando viagens para Europa e América do Norte para participar de competições classificatórias para Pequim. Mas o que vinha pela frente, eu não esperava. Mais 17 horas de viagem rumo a Macau. Nossa, fiquei com o traseiro quadrado. Normalmente não consigo dormir em avião, andando de um lado para o outro, hora sentando e observando um casal de idosos chineses ao meu lado. Me inspira a simplicidade como os chineses mais tradicionais levam a vida. Chegamos a Hong Kong, com um fuso de 11 horas a mais do que no Brasil. Não senti muito no começo, pois a novidade e a ansiedade de conhecer o que fica do lado inverso de onde vim, me deixava ligado. No próprio aeroporto de Hong Kong pegamos um trem rápido que nos levou até o ferry boat. Viajamos por mais uma hora até Macau, onde estamos fazendo uma fase de aclimatação e adaptação ao fuso.

O clima aqui é igual ao de Salvador, quente e úmido. Nos dois primeiros dias sofri muito com o fuso, acordando muito no meio da noite, e me sentindo mal durante os treinos. Durante o dia sentia moleza no corpo e dor de cabeça. Estamos treinando no Centro Olímpico de Macau, que diga-se de passagem é uma piscina fantástica. Conosco estão também a delegação da Inglaterra, nosso grande rival no revezamento.

Do dia que cheguei em Macau (22/08) até ontem (27/08), minha rotina foi somente, hotel-piscina-hotel-piscina-hotel, treinando duas vezes ao dia, e reservando o tempo restante ao descanso, outra parte fundamental do treino. Durante esses dias, apareceram coisas estranhas para comer no restaurante, mas vamos lá, fazer, o que? Alguns reclamaram o que fez com que a chefia de missão do Comitê Parolímpico falasse com o chefe de cozinha para deixar a comida o mais semelhante ao que comemos no Brasil.

Não veio nenhum escorpião ou inseto tostado, mas se viesse eu comeria, mas desconfiei de algumas carnes. Será que tinha carne de cachorro no meio? Quem souber morre, como diria meu treinador, Murilo Barreto. Hoje 28/08, acordei às sete e meia. Às oito e meia da noite aí no Brasil, tomei café, e fui treinar onde a cada dia que passa a quantidade de treino vai diminuindo, isso se chama período de polimento, onde vamos ficando cada vez mais afiados para o grande dia. Dia-a-dia o treino vai diminuindo.

Voltamos ao hotel, almocei e diferentemente de todos os dias, não fui treinar à tarde. Ganhei folga, ufa, e fomos passear pelo centro de Macau. Que contraste, muitos cassinos imponentes, muitas lojas ao lado de prédios antigos, altos, socados de gente, muitas motos nas ruas, o trânsito todo ao contrario, que nem na Inglaterra com carros com volantes do lado direito. Pequenos templos budistas no meio de praças, pontes muito bonitas, e um povo muito simpático, que fala de um modo muito rápido. Algumas pessoas aqui em Macau falam o português de Portugal, pois já foi uma colônia portuguesa. Já encontrei três que falavam. Outra coisa que me chamou muita a atenção foi os andaimes daqui, que são feitos todos de bambu. Eu vi um altíssimo que fazia reparo em um Cassino gigantesco. Vejo sempre também, porta incensos bem elaborados nas portas de estabelecimentos. Tomei até um susto quando vi na vitrine de um restaurante, os pratos principais em alguns aquários, neles vi tartarugas, peixes exóticos e peixes cobras. Pensei até que era uma pet shop. Fiquei com pena das tartarugas.

Pegamos um ônibus no inicio da noite e voltamos ao hotel onde jantei e vim aqui para o quarto escrever tudo que me aconteceu até hoje. Amanhã tem mais, onde relatarei essa incrível jornada que estou vivendo. Um sonho se concretizando.